quinta-feira, 13 de maio de 2010

Delírios Inúteis

             Sabendo que não seria simples subir naquele vagão, optei por não anunciar minha partida à cidade. Utilizei todos os artifícios que pude encontrar para adiar, ao máximo, a hora da partida: verificava a bagagem centenas de vezes, olhava em volta, como se procurasse alguém,e só ao terceiro sinal consegui obter coragem suficiente para partir. Acomodei-me no único lugar que pude encontrar.
             A viagem seria longa, por isso, levava comigo alguns livros, para disfarçar a consternação. Os romances, todavia, levavam-me a um estado de amargura profunda. Lembravam-me das crianças de Ouro Preto; eu ensinava aos pequenos o hábito de ler e escrever, tentava de todas as formas atraí-los para a leitura e tentava transformar complexos romances em obras de mais simples entendimento. O ato de abandoná-los me trazia o extremo sentimento de egocentrismo, contudo, julgara necessário. Aos 62 anos de idade, era necessário que, em termos de experiências, eu conhecesse pouco mais que aquelas crianças. Esse foi o motivo que me levou a comprar uma passagem para o Rio-de Janeiro, pois é, teoricamente, lá que tudo acontece.
               A noite não tardou a chegar. Os passageiros logo adormeceram. Minha imaginação, porém, não me permitira fazer o mesmo. Fechei os olhos com a utopia de que estava dormindo, entretanto, a noite insistia em dialogar comigo. O sereno da madrugada deixava gélido o vidro em que estava encostado, o que conseguia me acalmar, mesmo que por apenas um instante; havia, à minha frente, uma jovem mulher , próxima o bastante para que eu pudesse escutar a sua respiração, que parecia estar sincronizada à leve brisa que invadia a região. De quando em quando, era possível ouvir o ruído que os animais faziam no local.Eu conseguia converter todos aqueles sons em imagens, que invadiam meu pensamento e me permitiam fujir na nostalgia.
             A alucinação não durou muito. Abri os olhos, olhei em volta, notei que, nesse momento, já não conseguia ouvir a respiração da jovem. Observava seu rosto pálido e a serenidade em que parecia estar. Atordoou-me a idéia de que ela estaria morta.Se estivesse, dificilmente alguém notaria.Fechei rapidamente os olhos, a fim de esquecer.
             Depois imaginei de que contexto cada passageiro teria vindo. Deduzira que a moça morta teria sido negada pela família, que levava a vida como podia e a morte teria sido causada pelo cansaço moral. O mancebo ao meu lado encontraria sua noiva, com quem se casaria no dia seguinte. Inspirei profundamente, de olhos fechados, senti uma lágrima descer, praticamente a primeira de toda a vida.Era difícil pensar que eu não abraçaria ninguém ao descer do vagão e que não dividiria a mesa de jantar. E eu, doava aos personagens que criava todo o romance que não pude encontrar.
              Meu raciocínio fora cortada por um barulho. A moça morta voltara a respirar. Veio sobre mim um onda significante de alivio.Antes que pudesse pensar em dormir foi dado o aviso de chegada; aquele sinal viria como um tiro no meu coração,dando um fim ao a uma longa noite de reflexões, que dariam um livro, mas que, na verdade, só me acrescentaram algumas olheiras. Desci do trem, olhei em volta e caminhei à procura de algo que não queria encontrar.

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